domingo, 29 de junho de 2014

A arte de decorar copos de isopor.


Já se tornou uma prática usual entre os cientistas que participam das expedições da IODP a arte de decorar copos de isopor (aqueles que a gente usa pra café). A graça disso não esta simplesmente em rabiscar os copos e sim no que vem depois.
A Terra exerce uma constante pressão sobre nossos corpos (1 ATM), porém devido a constituição dos mesmos nada sentimos quando estamos próximos ao chamado "nível do mar". Oque acontece é que o nosso corpo esta totalmente equipado para que haja equilíbrio entre pressão que atua de fora para dentro e de dentro para fora do corpo. Ao mergulhar essa pressão tende a aumentar consideravelmente sobre nossos corpos, segundo estudos a pressão aumenta 1 ATM a cada ~10m que descemos. Neste caso, onde o corpo humano é “apertado” pelo mar, oque sofre mais são as cavidades recheadas de ar, como os pulmões e os ouvidos. Essa pressão exercida nos nossos corpos também é exercida em outros objetos, como os copos de isopor. A pressão exercida nos copos de isopor faz com que eles diminuam de tamanho e virem miniaturas.
Após decorarmos nossos copos, os mesmos são colocados em um saco e enviados para as profundezas do oceano junto com a câmera que desce de vez em quando para visualizar as condições do poço. Quando retornam para a superfície, se transformaram em belas miniaturas e excelentes recordações da expedição.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Caça ao tesouro!

Ontem dia 24/06 realizamos uma caça ao tesouro aqui no navio. Cada turno elegeu um grupo e este grupo recebeu uma folha com perguntas a serem respondidas. Basicamente para cada pergunta a gente tinha que ir até um ponto do navio, descobrir a resposta e encontrar um carimbo para validar a resposta. Além de ser um passatempo bem legal para enturmar ainda mais o pessoal, foi interessante para conhecer um pouco mais sobre o navio. Após receber a folha com as respostas dos dois grupos, os organizadores decidirão quem venceu e este grupo receberá um prêmio surpresa...

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Pausa para o "casing".


Ontem, dia 17/06 iniciou o processo chamado de “casing” onde ficaremos basicamente 10 dias sem receber qualquer amostra. Este processo é feito para garantir que a recuperação das amostras mais profundas ocorra sem problemas de desabamento do poço.
Durante o processo normal de perfuração é injetado um fluído que percorre por dentro da coluna de perfuração, chega até a broca e sai pela parte de fora da coluna. Esse fluído serve principalmente para facilitar a perfuração e para esfriar a broca. Ao retornar pela parte de fora da coluna de perfuração esse liquido fica em contato direto com as rochas da parede do poço. Essas rochas (nas primeiras centenas de metros) tendem a não estar muito bem consolidadas e vão sendo escamadas por esse líquido, abrindo buracos na parede do poço (fato que pode ocasionar a quebra da coluna de perfuração).
Como a nossa ideia é perfurar um longo trecho (cerca de 1400 metros), é indispensável a utilização de um artefato que estabilize a coluna de perfuração. Perfuramos quase 900 metros sem problema algum com a recuperação das amostras, porém a medida que a profundidade vai aumentando, também aumenta a probabilidade de ocorrerem problemas. No processo chamado “casing”, basicamente é perfurado um novo poço (ao lado do primeiro), sem a recuperação das amostras. A medida que o poço vai sendo perfurado, ele vai sendo revestido por tubos de aço. Esse revestimento normalmente chega até 900 metros, dessa forma a continuação do poço está salva de qualquer problema no que diz respeito a estabilização da coluna de perfuração.
Após o casing, será retornada a atividade normal basicamente do ponto onde paramos, e com a certeza de que a probabilidade de ocorrer algum problema com a coluna de perfuração e/ou o poço é quase nula.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

A análise!

Quando o testemunho chega uma voz ecoa nas caixas de som espalhadas pelo navio “core is on deck”. Quando a gente ouve esse chamado, nós paleontólogos temos que colocar o capacete e o óculos de proteção e ir até a parte de fora do navio (no post anterior tem umas fotos onde o pessoal esta medindo e cortando os testemunhos). Lá a gente recebe a amostra que ficou retida no core catcher e vai direto para o laboratório para realizar os procedimentos de extração dos microfósseis presentes na amostra.
Porta localizada na entrada do laboratorio, dando acesso a parte extena onde chegam os testemunhos.
Meu companheiro de trabalho (Sev) com a amostra do core catcher.
A técnica para a recuperação de nanofósseis calcários é muito simples. Basicamente a rocha é raspada com um bisturi (ou algo semelhante) em cima de uma lamínula e depois é acrescentada uma gota de água. Com um palito de dente a mistura amostra + água é espalhada pela lamínula, que é então colocada numa chapa aquecida para que a água evapore. Quando seca a lamínula é colada na lâmina com uma cola especial e então a lâmina está pronta para análise. Este processo leva em torno de 5 minutos.

 
A análise da lâmina é feita num microscópio petrográfico, típico para análise de lâminas de rocha, usando um aumento de 1000x. Aqui todos os microscópios tem um nome, eu estou usando o “Kiwi”. Basicamente preenchemos uma planilha onde consta diversos dados sobre a amostra, como a preservação dos fósseis, o nome e a abundancia das espécies encontradas e a idade inferida.
O "famoso" Kiwi.
Planilha com os dados da amostra.
O tamanho médio de um nanofóssil fica entre 3 e 10µm, pra se ter uma ideia numa régua o primeiro risquinho que mede 1mm equivale a 1000µm. Os nanofósseis calcários são divididos basicamente em dois grandes grupos: os remanescentes de minúsculas algas que viviam (e ainda vivem) no oceano e alguns outros elementos aos quais não foi atribuída nenhuma descendência por não haver nada semelhante na atualidade.

Abaixo mostro algumas das espécies que venho encontrando nos últimos dias, no momento estamos encontrando espécies que viveram entre 26 e 24 milhões de anos atrás numa época chamada de Oligoceno.

terça-feira, 10 de junho de 2014

O navio - parte V.


É hora de falar sobre o Core deck. Aqui é que a coisa realmente acontece, é neste “andar” que o testemunho chega e que recebe os primeiros cuidados.

Num dos posts anteriores eu expliquei de forma sucinta como é feita uma perfuração, agora vem a próxima etapa. O testemunho chega até o barco, e agora?
Como falei anteriormente não é a coluna de perfuração inteira que sobe até a superfície trazendo as amostras. O que chega até a superfície é um tubo cilíndrico de aço com cerca de 9 m de comprimento onde o testemunho fica retido (dentro de outro cilindro de plástico). Na ponta deste grande cilindro de aço há outro pequeno cilindro com cerca de 30 cm onde ficam retidas as partes mais basais do testemunho, este pequeno cilindro é chamado de “core catcher”.

Nesta imagem da pra ver o core catcher na ponta do tubo cilindrico.

Quando o tubo maior chega até o deck, primeiramente o core catcher é tirado e entregue para os paleontólogos analisarem (estas são as amostras que analisamos para determinar a idade do testemunho). Depois o testemunho maior é tirado, medido e cortado em partes menores (tamanho médio de 1,5 metros), Nesta etapa são colhidas amostras para analises geoquímicas, como composição da água, etc...
Core catcher entregue ao operador.
Tubo de plastico contendo o testemunho sendo tirado do tubo de aco.
Pessoal medindo e cortando o testemunho em pedacos menores.
Material sendo tirado do core catcher.
Enquanto nós paleontólogos preparamos a amostra e analisamos nossos resultados (vou falar disso no fim do post), o resto do testemunho passa por uma série de descrições e análises.
Depois de cortado em partes menores o testemunho vai para uma sala onde são medidas as propriedades físicas das rochas, que indicarão (principalmente) dados sobre a composição, formação e condições ambientais das mesmas. Após adquirir essas informações o testemunho vai para outra sala onde é dividido no meio (uma parte vai para a análise e a outra é colocada no arquivo).
Sala onde sao medidas as propriedades fisicas das rochas.
Sala onde os testemunhos sao repartidos no meio.
A metade que vai para o arquivo é usada para medir as propriedades magnéticas das rochas. Estes dados auxiliam entre outras coisas na datação das rochas.
Equipamento para obter as propriedades magneticas das rochas.
A metade a ser analisada é então colocada numa máquina que fotografa todo o testemunho, tipo um scanner. Depois disso os testemunhos vão para uma mesa onde o pessoal faz a descrição das rochas que o compõem.
Equipamento que fotografa o testemunho.
Pessoal descrevendo as rochas.
Voltando a nossa analise... O core catcher é entregue para nós e a gente vai para o laboratório onde as amostras são preparadas para recuperação de microfósseis. Cada grupo de microfósseis possui um tipo de preparação diferente. Depois de preparadas as amostras, nós vamos para uma sala onde estão os microscópios para fazer a analise e gerar os resultados. A sala é grande e possui quatro microscópios petrográficos e três lupas, além de um MEV de mesa (equipamento que proporciona imagens dos microfósseis com os mínimos detalhes).
Amostra proveniente do core catcher.
Laboratorio de preparacao para recuperar microfosseis.

Laboratorio de micropaleontologia.
Area que estou usando para fazer as descricoes.
A cada troca de turno é realizada uma reunião com todos os cientistas onde são mostrados todos os resultados obtidos.
Reuniao de troca de turno.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Nanofósseis a vista...

Hoje a coisa começou a melhorar pro nosso lado. Depois de um dia inteiro perfurando e não encontrando nanofósseis calcários nas amostras, eis que eles resolvem aparecer. Depois de 17 amostras estéreis entre meu turno de ontem e o de hoje, a minha primeira amostra do dia também foi a primeira a conter nanofósseis.
Na Unisinos sempre trabalhei com material do Cretáceo Superior (período geológico do Planeta Terra compreendido entre 113 e 66 milhões de anos atrás). O Cretáceo foi um período bem diferente da atualidade e no final desse período ocorreu uma grande extinção onde “perdemos” os dinossauros para sempre. No momento estou tendo a missão de analisar amostras bem mais jovens que contemplam alguns poucos milhões de anos atrás até a atualidade. O dia de hoje está sendo muito pesado, pois é muita coisa para aprender em pouco tempo. Basicamente, a cada hora chega uma amostra nova que deve ser preparada e analisada o quanto antes, pois o pessoal está esperando por esse resultado.
Em breve pretendo preparar um post mostrando o processo desde o testemunho saindo da coluna de perfuração até a nossa analise.

sábado, 7 de junho de 2014

Domingo é dia de... churrasco!

Domingo é o dia em que o Joides Resolution se transforma em um pedaço da minha terra, é dia de churrasco! Nada como churrasco e um bom chimarrão pra alegrar o dia que está maravilhosamente lindo, com o mar muito calmo e aquele solaço.

Perto da hora de servir o churrasco chegou o primeiro testemunho. “Core on deck” avisa o autofalante... E lá vamos todos nós ver as primeiras amostras chegarem. Parece uma coisa tola, mas se você pensar que essas rochas estavam a mais de 4 mil metros de profundidade abaixo da água do mar é muito legar ter a chance de analisa-las e toca-las pela primeira vez.

Agora começa o trabalho de verdade... A cada 1h vai chegar uma amostras para nós paleontólogos analisar. Portanto aqui me despeço desejando um ótimo domingo a todos. Aos gaúchos da minha amada terra, peço que degustem de um chimarrão em minha homenagem pois eu estarei tomando o meu pensando em todos vocês.
Aquele abraço.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Como é feita a perfuração.

Hoje lá pelas 4h da manhã (16h de ontem ai no Brasil), chegamos ao local onde será feita a perfuração.

Muita gente esta curiosa sobre como será feita a perfuração, portanto este tópico vai tentar esclarecer algumas coisas. 
Quando definirem o local exato de perfuração, começará o processo de amostragem das rochas, onde (grosseiramente falando) uma imensa coluna (a coluna de perfuração) sai do navio atravessando mais de 4 mil metros de água para chegar até o assoalho do oceano, ou seja, onde estão as rochas que a gente tanto quer analisar.
O processo que será feito para a perfuração das rochas se assemelha ao processo que você faz em casa para fazer um furo na parede com uma furadeira. Porém ao invés da broca maciça que você usa, nós usamos uma coluna gigantesca e oca com uma broca na ponta (também oca), para que a gente possa recuperar a amostra de rocha (que chamamos de “testemunho”). Conforme a broca vai recortando a rocha, o testemunho preenche um tubo que é colocado dentro da coluna de perfuração. A cada nove metros de testemunhagem, o material é puxado para a superfície por meio de cabos de aço.
Esses testemunhos, que chegam à superfície como um cilindro de rocha, são cortados em pedaços menores (a cada 1,5 metros) e então são levados para o pessoal descrever que tipos de rocha o compõem. Nós paleontólogos recebemos a parte final destes nove metros de rocha para analisar o conteúdo fossilífero da amostra.
Aí que entra o meu trabalho. Eu estudo (como já disse num dos primeiros tópicos) um grupo composto principalmente por algas microscópicas chamado nanofósseis calcários. Este grupo é muito importante, pois dentre outras coisas dá uma idade para as rochas que estão sendo analisadas. Estes organismos evoluíam muito rápido, ou seja, eles “nasciam” e “morriam” num espaço de tempo geológico muito curto, desta forma se eu estiver analisando uma amostra e encontrar determinada espécie eu seu que estou dentro de um período de tempo bem limitado na história da Terra.
A grosso modo, é a mesma coisa que uma pessoa, daqui a alguns milhões de anos, analisar fotos da história da humanidade. Se essa pessoa receber uma foto e visualizar (por exemplo) Albert Eistein, ela vai saber que essa foto foi tirada dentro do intervalo de tempo em que ele viveu (entre 1879 e 1955). No nosso caso, a gente sabe por meio de diversos tipos de datações quando as espécies viveram, desta forma a gente pode indicar a quanto tempo atrás as rochas se depositaram. Sendo assim todas as análises que vierem depois estarão colocadas dentro de um intervalo de tempo e assim vamos contando a história do nosso planeta, um pouco de cada vez, hoje aqui próximo do Japão, amanhã quem sabe próximo da sua casa (heheheheheheh).
PS: Pretendo criar um tópico maior mais tarde sobre este tema, falando um pouco mais sobre o passo a passo para coleta das amostras e para a análise.